quinta-feira, 9 de setembro de 2010

“Se não respondo por mim, quem responderá por mim? Mas se só respondo por mim, serei ainda eu?"

Otávio Júlio Torres

Caro Júnior,

Estive pesquisando a respeito. Pelo menos, parece verossímil dizer que este pensamento aparece, pelo menos, em Platão e em Tomas de Aquino. Todavia, pesquisei um texto na net intitulado “Da responsabilidade à compaixão”, em que o autor Manoel do Carmo Ferreira, do Instituto S. Tomas de Aquino, remete essa frase a um escrito da Antiga Babilônia, classificado como um Talmud. É interessante esta classificação, pois a palavra Talmud é hebraica e designa um conjunto de registros rabínicos que remetem ao estudo da lei, dos costumes e da história do judaísmo, estando subjugado somente à Bíblia hebraica (livros bíblicos do Antigo Testamento, conforme traduzidos na versão da Bíblia Protestante da língua portuguesa. Em todo caso, como o povo babilônico é anterior e fonte da cultura judaica, não há prejuízo em manter este ditado como um talmud, entendendo-o como um conjunto de registro babílônico antigo sobre leis, costumes e história deste povo.

Sendo assim, cabe-nos um grande desafio em entendê-lo, interpretá-lo correntamente, uma vez que foi escrito por uma cultura e pensamento, historicamente, tão distantes de nós.

Considerado um talmud, pode-se interpretar essa frase na direção de estabelecer o lugar do ser na história e na sociedade. A frase toca a pergunta sobre sua identidade e seu modo de ser no mundo.

A primeira pergunta – Se não respondo por mim, quem responderá por mim? – toca exatamente a questão da identidade pessoal. Na constituição do Ser individual, é de suma importância pontuar a autoafirmação. Dizia Descartes, um filosófo frances racionalista, do começo da era moderna, que para se afirmar a existência, o ser de algo, é preciso que ele seja completamente uma realidade clara e distinta de qualquer outra. Daí, o Ser sempre está em busca de colocar-se no mundo como indivíduo, autor de seus próprios atos, responsável por si mesmo.

No entanto, a segunda pergunta – Mas se só respondo por mim, serei ainda eu? – levanta outro questionamento, que nos leva a considerar, filosoficamente, a partir de três posturas existenciais distintas sobre a presença do ser humano no mundo. O Determinismo absoluto é a visão de mundo que estabelece o fato de que cada um dos acontecimentos do universo estaria submetido às leis naturais, entendidas dentro de uma estrutura de causa. Nesta caso, todos os seres do universo estão predestinados, entregues a um destino causal, que determina todos os atos da sua existência. Essa doutrina não permeia o pensamento acima.

Ainda, há a doutrina do livre-arbítrio. Os seus defensores dizem que ser livre significa decidir e agir como se quer, independentemente de causa determinante. Nas palavras de Sartre, “o ser humano está condenado a ser livre”. Esta visão de mundo é capaz de traduzir a frase acima com um SIM. Ou seja, exatamente eu respondendo por mim mesmo, e somente eu fazendo isso, é que encontro e estabeleço minha identidade no mundo. Determino o meu EU, inalienavelmente. Só que, entendendo o pensamento a partir desta visão de mundo, o seu autor estaria dizendo que todo o Ser no mundo estaria entregue ao acaso. Cada um sendo inalienavelmente livre, não haveria conceitos ou palavras tais como: referência, parâmetro, perspectiva, visão de mundo...

Finalmente, os filósofos modernos instituíram o determinismo moderado, que conjuga as duas visões de mundo anteriores. Esta é entendida a partir de certa liberdade de decisão e de ação, uma conduta consciente, sem, contudo, deixar de estar inserida numa compreensão de causalidade e razões (necessidades) inerentes. Spinoza, Hegel, Marx e Engels são alguns dos filósofos que entenderam o ser humano assim. Aqui, liberdade e causalidade não se excluem. Esta concepção da existência colocaria a pergunta – Mas se só respondo por mim, serei ainda eu? – numa linha de raciocínio da ética. Ou seja, para cada passo do Ser (humano) é preciso ponderar sobre suas possíveis causalidades ou perguntar se se trata de um ato de liberdade. Assim, posso ser eu ainda, mesmo que seja uma resposta unicamente minha, pois me constituo um Ser dentre os demais. Dependendo da resposta exigida por mim, sou parte de um SER maior, presente em todos os seres e conduzindo todos os seres para uma única história, como definiu Hegel: “A liberdade é a necessidade compreendida.”

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