sexta-feira, 23 de julho de 2010

As bases fenomenológicas da filosofia de Merleau-Ponty

Otávio Júlio Torres

O tempo atual é marcado por muitas questões relativas ao corpo. Descobre-se o genoma humano, decifra-se o DNA, órgãos são reproduzidos em laboratório, as ciências médicas avançam na superação das doenças, a cosmética cresce em abrangência, em busca do corpo perfeito. O corpo aparece coisificado, um objeto para um fim alheio a ele, e até mesmo um obstáculo a ser vencido em si mesmo.

Em meio a tantas distorções e usos do corpo, a Fenomenologia de Merleau-Ponty vem sendo vista como uma nova possibilidade, um novo olhar, não só para a Filosofia, como para as ciências em geral.

Assim, o propósito desta monografia é apresentar o corpo na fenomenologia merleau-pontyana. Um corpo que se apresenta como fonte originária de todas as experiências humanas obtidas do contato com o mundo. Merleau-Ponty desenvolve tal fenomenologia, em especial, em sua tese Fenomenologia da Percepção, em 1945, tratado com o qual ele obteve o grau de Doutor em Filosofia.

Sua trajetória sempre esteve ligada a profundos estudos de Filosofia. Nascido em 1908, foi aluno da École Normale Supérieure de 1926-1930, quando conheceu aqueles que, com ele, formariam a “geração existencialista” dos anos 40 e 50. Desenvolveu grande amizade com Sartre e Simone de Beauvoir, amizade que sofreu uma crise quando Merleau-Ponty criticou Sartre na obra As aventuras da Dialética.

Sua obra Signes (Sinais) marca a passagem do filósofo de uma perspectiva fenomenológica para uma investigação ontológica.

Suas primeiras obras estavam nitidamente vinculadas à fenomenologia Husserliana, embora procurasse a cada passo minimizar o papel constituinte da consciência e outorgar à relação corpo sensível — mundo sensível o poder doador de significados que Husserl atribuía ao Sujeito Transcendental. A partir de Signes, Merleau-Ponty encaminha-se para a ontologia como região pré-reflexiva, selvagem e bruta, de onde emergem as categorias reflexivas. A filosofia — reflexão — deve voltar às origens da própria reflexão e descobrir seu solo anterior à atividade reflexiva e responsável por ela. Essa região é o “logos do mundo estético”.[1]

Merleau-Ponty é um crítico profundo do humanismo, por causa da dicotomia sujeito-objeto que constitui, para ele, subjetivismo filosófico e objetivismo científico. Decorrente dessa dicotomia, as coisas se tornam representações constituídas pelo sujeito. O mundo passa a ser o conceito, ou a idéia do mundo. Realidades se tornam cada vez menos reais.

Merleau-Ponty, diante disso, busca o questionamento entre filosofia e ciência, enseja o questionamento de seus conceitos fundamentais, propõe um novo ponto de partida: a compreensão das origens da filosofia e da ciência. Ele promove, assim, em seus escritos, a “noção de uma consciência perceptiva solidária com o corpo, enquanto corpo próprio ou vivido, maneira pela qual nos instalamos no mundo, ganhando e doando significação”[2].

Para apresentar o pensamento de Merleau-Ponty a respeito do corpo, em sua fenomenologia, a presente monografia está dividida em três partes. O primeiro capítulo aborda as bases fenomenológicas de Merleau-Ponty. Inicialmente, estabelece-se o conceito de fenomenologia, desde suas origens semânticas, percorrendo o pensamento kantiano e Husserliano. É a partir de Husserl que Merleau-Ponty desenvolve sua fenomenologia, sendo que, no seu desenvolvimento, termina por tomar rumos próprios de reflexão.

No segundo capítulo, são tratados dois aspectos principais: a abordagem fenomenológica do corpo, por parte de Merleau-Ponty, e as implicações filosóficas decorrentes de tal abordagem. É estabelecida uma comparação entre a Fisiologia Mecanicista e a proposta de Merleau-Ponty, bem como a questão da percepção, consciência e representação. Por fim, são vistos os aspectos decorrentes da colocação do corpo como fonte originária do ser no mundo.

No terceiro e último capítulo, são apresentadas, em linhas gerais, as contribuições da filosofia merleau-pontyana para as ciências humanas. A partir do prisma da fenomenologia do corpo, as ciências humanas vêm se esforçando para dar ao corpo um tratamento diferenciado daquele que dantes davam. Será possível perceber uma mudança na forma como essas ciências concebem o corpo, frente à descoberta fenomenológica do mesmo.

Assim, o corpo, a partir de Merleau-Ponty, deixa de ser encarado como mero objeto, passando a ser um paradigma para as novas reflexões. As ciências dialogam com a Fenomenologia e, desse diálogo, surge uma revisão de conceitos e posturas, considerando a intencionalidade operante do corpo.




[1] Maurice Merleau-Ponty. Textos selecionados (seleção de textos de Marilena de Souza Chauí). 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984 (Os Pensadores), p.VIII

[2] Ibidem, p.XI

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